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12.12.2018

Deixe seu filho passar pelo tédio

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Deixe seu filho passar pelo tédio

Em tempos de rotinas tão ocupadas, as crianças e os adolescentes em muitas famílias não encontram tempo livre e, quando não têm o que fazer, ficam bastante desconfortáveis. Esse ritmo de vida, comum atualmente, traz consequências que afetam diretamente o desenvolvimento. Para a psicóloga Andressa Sperancetta, as ocupações profissionais dos pais e as atividades dos filhos determinam a organização da rotina e deixam em segundo plano os momentos para a convivência em família, como refeições, conversas, brincadeiras, passeios e outras atividades de interesse de seus membros. “Muitos pais demonstram uma necessidade tão forte de proporcionar atividades, estímulos e brincadeiras para os filhos o tempo todo, que basta as crianças terem algumas horas sem nada programado para ficarem desnorteadas e descontentes porque simplesmente não sabem o que fazer”, conta Andressa.

Cria-se, assim, um ambiente em que os pais ficam vigilantes por oferecer ocupações para os filhos, por meio dos brinquedos, TV, videogame e aparelhos eletrônicos, entre eles o celular. É preciso ter cuidado com essas expectativas de que as crianças precisam estar estimuladas ou ocupadas constantemente, como se isso fosse garantir o pleno desenvolvimento de habilidades e o sucesso no futuro.

Especialistas afirmam que crianças e adolescentes atualmente têm crescido com uma expectativa social ligada à necessidade de estarem sempre ocupados e, ao mesmo tempo, queixando-se de que falta algo ou de que se sentem entediados. Para muitos deles, as atividades cotidianas podem se tornar algo mecanizado, repetitivo e sem significado. Diante dessa realidade, é fundamental que os adultos, em especial os pais, entendam o tédio como algo essencial para o desenvolvimento das crianças e adolescentes e, dessa forma, permitam que eles experimentem o tédio. “Existe uma diferença entre o “fazer nada” e o “nada para fazer” e, nesse contexto, encontram-se as vivências do ócio e do tédio”, avalia a psicóloga. Ela explica que o tédio pode ser descrito como a percepção de “não ter nada para fazer” − quando não conseguimos encontrar uma ocupação que realmente nos motive ou que seja suficientemente interessante. Diferente do tédio, o ócio pode ser caracterizado como uma escolha pessoal de simplesmente “não fazer nada” (ex.: contemplar a natureza, fazer um passeio sem compromisso). O ócio não gera angústia, como pode ocorrer com o tédio, mas traz satisfação e pode proporcionar a reflexão.

Pediatras e psicólogos concordam que é importante para o desenvolvimento da capacidade reflexiva e da criatividade ficar um tempo sozinho e sem ter o que fazer. São esses momentos que proporcionam o contato consigo mesmo e a busca por distrair-se criativamente ou brincar com o que há disponível. Os pais devem ver essas situações como preciosas para a aprendizagem e deixar à disposição objetos como sucatas, massa de modelar, blocos para montar, papel em branco, tinta, lápis de cor, e tudo o mais com que a criança possa se distrair e, efetivamente, criar. “Além disso, esses momentos de “não ter o que fazer” podem ser encarados como uma oportunidade para a criança (ou o adolescente) aprender a tolerá-los em vez de se sentir aflito, a tomar iniciativas em vez de esperar que os pais proponham uma distração”, completa Andressa.

Jogos digitais e tecnologia
Pesquisas demonstram que os jogos digitais, por ativarem o sistema de recompensa cerebral, fazem com que o indivíduo procure cada vez mais pelos estímulos proporcionados por eles. Outros resultados indicam que o excesso de tecnologia pode levar ao isolamento e à redução da capacidade imaginativa e da interação social, aumentando o risco para problemas emocionais. Por meio desses aparelhos, a criança ou o adolescente se acostuma a vivenciar tudo muito rápido e, por isso, qualquer coisa com menos velocidade passa a ser entediante. O entretenimento gerado pelos games e vídeos ocorre em um ritmo repetitivo e automático, que não exige reflexão. Nesse sentido, os pais devem ter o cuidado de não deixar os eletrônicos se tornarem as principais atividades no tempo livre que os filhos têm.

A Academia Americana de Pediatria recomenda que o tempo diário de tela (televisão, tablet, celular, computador e videogame) na infância e na adolescência seja limitado. Além do controle da quantidade de horas, é fundamental os pais utilizarem critérios qualitativos para orientar o uso das tecnologias pelos filhos:

A qualidade do conteúdo, a adequação para a idade e o caráter educativo ou não.

O acompanhamento de um adulto, interagindo com a criança durante o uso do equipamento, pode ser favorável pela oportunidade de interação entre eles.

Muitos especialistas consideram que o bom senso deve prevalecer na orientação ao uso das tecnologias pelas crianças e adolescentes, de modo que os pais avaliem se elas não estão trazendo prejuízo em nenhum aspecto da vida de seus filhos.

Nesse contexto, é fundamental os pais proporcionarem outras alternativas e, inicialmente, poderá ser necessário o incentivo do adulto. Mas, como brincar é um processo que se aprende, a criança deve ser deixada sozinha para enfrentar o desafio de fazê-lo de forma independente. A brincadeira livre favorece a criatividade, a espontaneidade e a fantasia. Quando realizada em grupo, estimula a interação entre os pares e a consequente aprendizagem de habilidades socioemocionais.

Outro ganho para a criança é a exploração do ambiente a partir de seus recursos, criando e aprendendo. Assim, ela passa a perceber em si mesma seus interesses e potencialidades. Com isso, desde a infância, o cotidiano fica mais leve, a criança aprende a empatia – a capacidade de imaginar-se no lugar do outro – e a resolver problemas, buscando soluções criativas. Além disso, características como observação, concentração, curiosidade, perseverança e autoconfiança são estimuladas, capacidades essenciais para a vida inteira.

Esse conteúdo foi publicado no Guia dos Pais, do G1 Paraná.